segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

chá, chai e corrente.

- É que a vida é fluida, B. Não dá para colocar pontos finais...

Aconteceu numa dessas noites quando saímos para falar de um dos tópicos mais abordados em minhas reflexões: o amor. Comia um croissant de queijo e ela deleitava-se com uma daquelas tortas de chocolate que a fazem esquecer que estamos discutindo assuntos sérios, que daquele encontro pode sair a cura para todos os males do coração. Para ela, não há relacionamento mais importante que o do morango com o brigadeiro.

No vai e vem de nossos devaneios, lhe falei de minha necessidade de finais absolutos para que pudesse recomeçar. Ela me tirou as ilusões assim, sem meias palavras. Deixou-me nada menos que desesperada, morrendo de medo de ficar presa para sempre numa rede infinita de histórias inacabadas.

Pensamos em tomar chás para variar o lado gastronômico do encontro. As duas opções eram um chá preto com laranja e um chai aromático de frutas. Pedimos ambos, com a intenção de compartilhar - e também para que não precisássemos passar pelo martírio que é tomar decisões. Ao chegar com as bebidas, sem nem perguntar, a garçonete simplesmente colocou o frugal à minha frente, o negro à frente de minha companheira de dialética.

Enquanto tomava meu doce, doce chá, pensei que talvez a ideia de não-fins não fosse tão monstruosa. Talvez faça mesmo bem para a saúde deixar abertas algumas janelas do passado para arejar. Talvez o doentio seja tentar enjaular recordações e enviá-las em um navio para terras distantes. A adoção dessa nova perspectiva e o calor do chai me envolveram essa noite.

Pena que o sentimento não perdurou. Logo voltei à minha obsessão por finais definitivos, por palavras que marcassem que já não há. Continuei também a sofrer ataques de incerteza e angústia que tratava de curar com torrenciais crises de choro e automedicação alcoólica.

Foi uma carta de longe que me sanou as dores. Uma carta em espanhol sulamericano desde um país centroamericano. E não foi preciso nada mais do que apenas me recordar de um passado não tão distante para que tivesse um dos momentos de maior discernimento.

- Não é a vida que é fluida, meu doce - eu diria - o amor sim o é. O amor tem essa incrível capacidade da água de se converter em diferentes estados dependendo das condições do ambiente. E é essa mutabilidade do amor que faz com que não haja rompimentos definitivos ou paixões eternas.

Quando nossas bebidas chegaram, provamos de cada xícara e foi óbvio o encantamento que sentimos pelas que haviam sido colocadas com perícia científica pela garçonete. Desde o cheiro, passando pela cor e finalmente o gosto... era como se cada receita tivesse sido preparada sob medida. Havia em meu copo o doce de minha ingenuidade perante o viver. Havia em seu copo o sabor amargo das pedras com as quais ela construiu as muralhas em volta de si.

A verdade é que falamos da mesma coisa, eu e ela. Mas não se pode pedir a uma garota que toma chá de frutas a racionalidade, a linearidade, a clareza da que toma chá preto.

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