sexta-feira, 10 de agosto de 2012

uma linha e meia


Demorou quase duas semanas para que houvesse comunicação entre nós.
Minha vontade, obviamente, era escrever-lhe contando os mínimos detalhes de minha vida após sua entrada nela, todas as inquietações que a presença de um oceano literal entre nós me causava. Ou, não sei, falar de assuntos do dia-a-dia, que a maneira tão diferente como experienciamos os momentos tornaria qualquer que fosse o pepino cotidiano algo interessante de compartilhar. O que me impedia de fazê-lo era o fato de não saber como a informação alcançaria o outro lado da tela. Ainda que uma das coisas mais instigantes entre nós era exatamente este não saber absolutamente nada - éramos um grande mistério um para o outro, ávidos por descobrir-nos - há um ligeiro medo envolvido nesta nossa conexão.
Foi com muita surpresa que me chegou uma mensagem sua ao nascer o sol na manhã de ontem - para ele já era quase um meio dia de verão. Imagino-o de cabelos molhados em sua sala de móveis, paredes e pisos brancos. Milhares de filmes e livros de arte nas várias prateleiras. Foto da filha na mesa ao lado do sofá. Uma vitrola e vários discos de jazz em volta. Um par de livros de literatura francesa entre as almofadas. Ele fumaria um cigarro olhando a vida acontecer do lado de fora da sua janela. Pensaria na razão para quase ter perdido o avião que o levou da América de volta ao Velho Continente. Sentaria em frente ao seu computador e tomaria uma eternidade entre uma palavra e outra do que me viria a enviar.
Tudo isso, no entanto, não passa de meus desejos sendo tomados por realidade. Só o que sei com certeza é que para escrever-me uma linha e meia, incluindo nesta uma insinuação de afetuosidade e referência a uma brincadeira íntima, ele provavelmente levou o mesmo tempo que eu para apagar metade do que havia redigido e deixar minha resposta o mais sucinta possível, com apenas quatro parágrafos de quase dez linhas cada.
Foi bem nesse momento que percebi que esse "nós" tem certo risco de fracassar.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

muse fortuite V

Sei que há maiores possibilidades de encontrá-lo a caminho do Nordeste, num ônibus caindo aos pedaços que quebraria cinco vezes durante o caminho. Ou ainda depois de um show do Gil  nos subúrbios da capital riograndense, todos absolutamente apaixonados por aquela fera septuagenária que ainda consegue bailar da primeira à última música nestes palcos da vida. Ainda assim, é incontrolável essa mania de buscá-lo pelas superquadras desta cidade. Aprendi dessa forma, de tanto procurar por suas pegadas nos meios-fios, que cair de amor na capital federal se faz perigoso pelo tanto de concreto que há em suas ruas.
Ah, e como não tentar vê-lo na multidão de um domingo como este? Sabendo que, como poucos, ele responde afirmativamente às duas perguntas essenciais na busca do homem perfeito - fala francês? gosta de jazz? - não é de se estranhar que estivesse com meu binóculo a postos, buscando entre conhecidos e desconhecidos que se maravilhavam com o som alucinante dos Dukes of Dixieland aqueles olhos de ser místico.
Nem o vi, pobre de mim. E sigo na vã busca da magia cigana de ma muse fortuite.

sábado, 4 de agosto de 2012

rendez vouz

Ele me causou um curto-circuito tão intenso que desde sua aparição não fui capaz de escrever um só continho, uma só crônica, uma só receita de bolo. Mal durmo. Depois de três parágrafos de um livro já sou sugada pelo repuxo do mar das memórias com ele.