sábado, 27 de abril de 2013

muse fortuite VI

O sol tomava o apartamento inteiro, seus raios invadindo por entre as frestas irregulares da persiana antiga. Ma muse ainda dormia profundamente, nem percebeu quando me desvencilhei de seus braços e passei para a cama ao lado. Li um par de zines, um par de capítulos de Rayuela, um par de poemas do Leminski. Olhei para o lado e seus olhos de ser-místico-que-até-hoje-não-consegui-nomear pousavam em mim; por cima de seu sorriso ininteligível, o bigode desgrenhado lhe dava um ar ainda mais alegórico. Pensei no que discutíramos acerca da obra de Lewis Carroll algumas horas antes e sorri de volta:
- De que buraco 'cê saiu, garoto, para que buraco 'tá me levando?
Ele serpenteou até o leito onde eu estava, com a malemolência intrínseca que me desarmou desde aquele dia no qual sentou-se ao meu lado em um ônibus que nos levou a uma cidade paradisíaca do nordeste; bastou não mais do que uma das cinquenta e seis horas que passamos ali para que eu me tornasse viciada em doses sazonais de sua magia. Ma muse carinhou-me da cabeça aos pés, eu de olhos fechados, ele usando todas as partes de seu corpo para me acariciar das formas mais inusitadas. Esbarramos nas coisas que ocupavam o colchão.
- Ah, escritora, sempre com tantos livros na cama...
- Sempre não, bonito... vez ou outra tenho musas. 

terça-feira, 23 de abril de 2013

o fim de uma era

Acho terrivelmente doloroso finalizar um escrito. Na verdade, me parece muito difícil saber a hora em que um ponto é, de fato, final. Por essa razão tenho tantos pedaços de alguma coisa jogados pelo quarto, cadernos cheios de possíveis não sei o que, rascunhos esquecidos do que era mesmo que eu estava falando? Assim mesmo, bem caótico, bem ininteligível. Uma bagunça como a que sou.
Durante os últimos meses o assunto principal foi este tal amor, em suas diferentes formas e configurações. Essa pesquisa, que já tem duração de quase dois anos, me pareceu fastidiosa de tempos em tempos. Sentia-me presa a um só estilo de escrita, a um só assunto. Julgava-me deveras incompleta como artista.
Foi algo dito por Marina Colassanti que me acalmou os nervos. Eu a acompanhava até o aeroporto depois de sua participação na Bienal Brasil do Livro e da Leitura. Conversamos longamente durante este dia sobre a construção do eu-escritor, sobre as possibilidades no universo da literatura. Até que, já em frente ao setor de embarque, ela me aconselhou: "Termine o que está fazendo antes de começar outra coisa. Escrever não é só inspiração, garota, é disciplina". Já sem culpa por gastar tantas linhas divagando sobre amor, segui explorando tal tópico; na literatura e na vida.
Só que ainda me agoniava como seria o fim de tal busca. Afinal, não é em uma novela que estou trabalhando no momento presente; é um apanhado de contos e um par de crônicas. Como saber que é suficiente? Pensei no que disse Paul Valéry, "os poetas não terminam os poemas, eles os abandonam", e na próxima vez que me enfadasse, passaria umas duas madrugadas editando tudo, terminaria o tal projeto e pronto! Abandono absoluto. Como fazem Gabriel García Marquez e Johnny Depp*. Simplesmente não passaria mais os olhos sobre meus trabalhos.
Até que me deparei com um final digno para essa jornada. Encontrei inspiração e disciplina para deixar este livro pronto para os editais que aparecerem pelo caminho. Espero finalizá-lo de fato em um, dois meses, se o ritmo for mantido. E será lindo ter este blog como registro das tentativas, das possibilidades, de tantas coisas que desbravei durante este tempo.
Este pode (ou não) ser um prólogo de um adeus.


*Só mesmo quem vos escreve consegue colocar em um mesmo parágrafo Valéry, García Marquez e Johnny Depp... tsc tsc...

segunda-feira, 22 de abril de 2013

amor de lua nova

fico feliz que em nossas recordações não haja nem lua nem estrelas pairando sobre nossas cabeças.
assim, elas ainda me pertencem:
refúgio meu para não mais pensar em ti.