quinta-feira, 29 de setembro de 2011

no portão.

Aceleração elevada das batidas do coração. Sudorese.
Espaços não preenchidos entre os dedos das mãos.
Obstrução da garganta por corpo imaterial.
Aumento da produção de fluido lacrimal diante de canções específicas.

Sobretudo, um enorme vazio no peito.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Insônia.

Toda vez que fecho os olhos, milhões de memórias invadem de maneira tão intensa que me dói. Os abraços queimam, os beijos são espetadas, as conversas de uma noite toda são sessões de tortura chinesa com gotas d'água. De tão reais, essas lembranças machucam.

Abro os olhos e não há nada além de breu.

Quente demais para me cobrir, frio demais para dormir sem cobertor.

Não consigo dormir.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

súbito e platônico.

Me imaginei batendo em sua porta na tarde de um dia qualquer da semana. O sol teria saído, tímido como é em céu portenho. Ainda assim, ele teria decidido testemunhar minha odisseia amorosa nas ruas de Buenos Aires.
Lhe tocaria a campainha e esperaria impaciente, quase arrancando minhas cutículas com as unhas. Levaria um pouco de tempo até que ele chegasse e abrisse sem nem perguntar quem era, crente que é na bondade do mundo. Sorriria para mim, dizendo "Buenas tardes" com seu belíssimo sotaque argentino.
Eu usaria cinco segundos para calar e apenas vê-lo. Descobrir os caminhos que as rugas formam em volta de seus olhos, os redemoinhos em seu cabelo, as imperfeições em sua pele. Só então seria capaz de dizer o que me havia levado até ali:

"Nunca, nunca he conocido a alguien que ve la vida de manera tan increíblemente bella como vos. Me haces querer levantar y ser feliz todos los días. Sos el amor de mi vida."

Tomaria suas mãos nas minhas, olharia bem fundo em seus olhos... e iria embora.
Ele levaria um par de minutos antes de voltar para o ninho, pensando se valeria a pena aborrecer sua esposa contando-lhe de mais uma fã com problemas em discernir ficção e realidade. Decidiu que não valia. Fechou a porta, pensando na beleza do sol que havia decidido aparecer aquela tarde.

sábado, 10 de setembro de 2011

Deixe as louças sujas na pia. Sim, todas elas. Vou limpar essa casa até me sair a pele da palma das mãos. Preciso pensar.

tango del chamo.

Era todo um breu, tudo negro e uma só luz. Os três dançavam um baile indecifrável naquela escuridão. Havia a cor vermelha de seus lábios, de seu vestido, de sua aura. O vermelho também estava no fogo de seus olhos. Fogo paixão e fogo ódio. Fogo ela.
Já não podia dançar, então olhava. Observava a sincronia dele e da outra. A pouca luz lhe impedia de ver mais do que os movimentos que suas madeixas alouradas faziam, respondendo ao comando de um ou outro passo desse baile que ele liderava. A triste espectadora se surpreendeu com a capacidade recém adquirida dele de conduzir uma dança.
Mas não era só isso que sua visão captava naquele cenário lúgubre. Podia também ver o reflexo da escassa luz nos dentes tão brancos de suas bocas abertas, que sorriam. Sorriam num bailar despreocupado, descomplicado. "Así no se baila, cariño", pensou, "Así no se baila el tango".
Assistir a este espetáculo sombrio lhe causava tremenda cólera, numa intensidade que ela nunca havia experimentado. Só o que seu corpo conseguia fazer era manter-se parado, imóvel diante de tamanha dor. Recordava-se de quando aquela mão, que repousava agora nas costas da outra, lhe explorava o corpo em noites sem fim. Estas lembranças estavam tão frescas que se fechasse os olhos era capaz de sentir o calor que causava cada toque dele em sua pele. E sob uma deficiente luz, ainda de olhos fechados, sentiu cada memória rompendo-lhe o tecido epitelial, os músculos, seus órgãos vitais. Sentiu dilacerar-se o coração.
Abriu os olhos vagarosamente, a visão turva pelas lágrimas. Os dois já não estavam ali. "Se metieron por cualquiera de esas calles sucias de esta ciudad apestosa". Deixou cair uma e outra lágrima. Engoliu uma e outra dose. Dançou um tango tão duro que lhe doeu a alma. Foi-se, ela também, por entre ruas sujas dessa cidade fétida à procura de um quarto que acolhesse sua paixão naquela noite.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

terça-feira, 6 de setembro de 2011

pra que gritar?

Ar, muito ar. Janelas abertas deixando o vento entrar. Pulos de paraquedas. Bungee jumping. Peças de roupa jogadas aleatoriamente nas areias brancas de uma praia sem ninguém. Caminhadas sem fim montanha acima. E montanha abaixo. Falta de destinação final, uma passagem com data em aberto. Um pouco mais de ar. Cheiro de incenso e cigarro e sexo. Cada parede ao meu redor, um espelho. Dormir a hora que der vontade. Sofrer de privação de sono. Jogar. Uma cama grande o bastante para que duas pessoas a compartilhem, mas pequena demais para que elas necessitem estar abraçadas durante toda a noite. Cada parede ao meu redor, um grande pedaço de tecido. Mais litros de chá do que alguém poderia tomar em toda uma vida. Trabalhos de arte inacabados. Simetria e a falta dela. Cadáveres de borboletas nos limpos corredores brancos. Uma eterna inquietação. "Um cárcere com as portas abertas". Amor. Um par de asas gigantes e multicoloridas. Cada parede ao meu redor um balão de hélio, mantendo todo aquele mundo em suspensão, bem lá no alto.

o grito.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH

sábado, 3 de setembro de 2011

convertendo suor em água benta.

Sentia uma singular incapacidade de respirar. Era como se cada partícula de O2 que adentrasse meus pulmões imediatamente se dissolvesse, se transfigurasse em qualquer coisa parecida com... vazio. Com nada. Minhas entranhas transformaram-se em um enorme buraco negro que sugava para dentro de si todas as recordações e as esperanças e os desejos, levando-os para algum lugar ao qual nenhum cientista conseguiu chegar. Queria gritar e gritar, mas também meus berros estavam sendo abafados pela sobrecarga de sentimentos que me acometiam naquele momento. Nem minhas cordas vocais se safaram dos golpes que me feriam o corpo inteiro. E quando finalmente saí daquele estado de entorpecimento, fui capaz de perceber outra vez o mundo à minha volta. Suas cores escuras de fim de festa. O cheiro onipresente de cigarro. A sensação de que todo o chão era um grande caramelo, segurando os saltos de sapato a cada passo, resultado de toda uma noite de acidentes envolvendo o deslocamento de bebidas desde os copos em mãos dançantes no ar até o piso. Foi então que recorri ao altar de todos aqueles com um coração partido; a pista de dança. Rezei durante todo o resto da noite para que o santíssimo DJ perdoasse minha luxúria em seu sentido mais puro: o de deixar que as paixões me dominem.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Vive la Fête! e Júlio Cortázar.

Estava pensando agora mesmo em como distorcemos o amor, rebaixando-o à algo parecido a uma instituição ou algo assim. Nas regras e etapas e podes/não-podes. No querer isso ou aquilo ou aquilo outro. No fato de que, com o passar do tempo, nos tornamos cada vez menos flexíveis. Que preferências viram exigências.

Fiquei muito encucada com os caminhos que minha vida sentimental resolveu tomar. Fui virando uma burocrata do amor sem nem me dar conta! Logo eu, que sempre senti arrepios ao entrar em repartições públicas e encontrar cada um em seu cubículo, se escondendo confortavelmente por detrás de divisórias... ah, não!

Percebi que agora, até para amar, faço uso de diferentes departamentos.
Há que fazer análise de risco, relação de custo-benefício, seguro dos amigos em comum.
Examinar com minúcia a vida pregressa do aplicante... e tantos são os formulários a preencher!



Me alegro ao perceber a quantidade de fracassos em minhas lista de romances. É que significa que ando ignorando todos esses dados recolhidos nos dias (às vezes semanas, meses) de observação prudente do objeto de afeição. No espaço ínfimo de um olhar mais intenso sou capaz de jogar essas informações todas em um triturador de papel. Adeus, prós e contras.

Assim, sigo me jogando tolamente. E caindo de amor vez ou outra, e... sabe o que mais? Esperando forte ser sempre (e para sempre) estupidamente apaixonada.