sábado, 10 de setembro de 2011

tango del chamo.

Era todo um breu, tudo negro e uma só luz. Os três dançavam um baile indecifrável naquela escuridão. Havia a cor vermelha de seus lábios, de seu vestido, de sua aura. O vermelho também estava no fogo de seus olhos. Fogo paixão e fogo ódio. Fogo ela.
Já não podia dançar, então olhava. Observava a sincronia dele e da outra. A pouca luz lhe impedia de ver mais do que os movimentos que suas madeixas alouradas faziam, respondendo ao comando de um ou outro passo desse baile que ele liderava. A triste espectadora se surpreendeu com a capacidade recém adquirida dele de conduzir uma dança.
Mas não era só isso que sua visão captava naquele cenário lúgubre. Podia também ver o reflexo da escassa luz nos dentes tão brancos de suas bocas abertas, que sorriam. Sorriam num bailar despreocupado, descomplicado. "Así no se baila, cariño", pensou, "Así no se baila el tango".
Assistir a este espetáculo sombrio lhe causava tremenda cólera, numa intensidade que ela nunca havia experimentado. Só o que seu corpo conseguia fazer era manter-se parado, imóvel diante de tamanha dor. Recordava-se de quando aquela mão, que repousava agora nas costas da outra, lhe explorava o corpo em noites sem fim. Estas lembranças estavam tão frescas que se fechasse os olhos era capaz de sentir o calor que causava cada toque dele em sua pele. E sob uma deficiente luz, ainda de olhos fechados, sentiu cada memória rompendo-lhe o tecido epitelial, os músculos, seus órgãos vitais. Sentiu dilacerar-se o coração.
Abriu os olhos vagarosamente, a visão turva pelas lágrimas. Os dois já não estavam ali. "Se metieron por cualquiera de esas calles sucias de esta ciudad apestosa". Deixou cair uma e outra lágrima. Engoliu uma e outra dose. Dançou um tango tão duro que lhe doeu a alma. Foi-se, ela também, por entre ruas sujas dessa cidade fétida à procura de um quarto que acolhesse sua paixão naquela noite.

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