segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

04:16 am

Os gritos ecoavam do terceiro andar por todo o prédio. Começou com grunhidos quase inaudíveis, abafados pelo cair da chuva na janela, que num crescendo quase musical culminaram num "e eu te amo pra caralho, porra".
Creio que nos despertamos na mesma hora, mas nenhuma das duas se atreveu a falar. Ainda assim, ainda que no breu e no silêncio, pude senti-la acordada. Conhecia bem sua respiração alterada de quem se punha nervosa com demonstração excessiva de hostilidade. Quando eram nossos os gritos, a respiração vinha acompanhada de soluços incessantes e toda uma tormenta de ressentimentos que retirávamos de abismos dentro de nós para ferir a outra.
Os gritos se fizeram mais altos, como se a porta tivesse sido aberta. Agora nos olhávamos nos olhos. Ainda sem proferir uma palavra que fosse, ainda deitadas nas extremidades da cama, ainda com milhares de quilômetros separando-nos naquela enorme cama de lençóis tão alvos. Via o brilho trêmulo de seus olhos, que não demorariam para desfazer-se em lágrimas e sujariam com sua maquiagem não retirada a fronha branca de seu travesseiro.
Lá fora, eles desciam as escadas. Juras de amor perdiam-se em meio a praguejamentos - ou vice-versa, não sei ao certo. Sei que haviam silêncios que não poderiam ser preenchidos por nada além de beijos dos mais intensos. Era assim que preenchíamos os nosso silêncios quando nos aproximávamos do fim. Era assim que lutávamos desesperadamente para apagar de vez o fogo que destruía sem dó as flores que nasceram em nossos tempos de primavera.
Percebi que as vozes estavam tão próximas que eles poderiam muito bem estar sentados no sofá de veludo vermelho, testemunha de nosso fazer e desfazer amor. Agora nossas mãos se buscavam entre os lençóis, como se procurando por um abrigo, algo onde pudéssemos segurar enquanto aquele furacão invadia nosso sono, nossa relação,nós.
Os gritos seguiram, descendo as escadas e lançando-se à rua, onde chovia ainda mais forte. Le Curiosism foi o que nos fez levantar e olhá-los desde a janela. Corriam de um lado a outro, trocavam farpas e beijos. E beijos. E beijos. Foi olhando-os daquela janela que ficou mais do que claro que era hora de colocarmo-nos em malas e encaixotar as lembranças em comum. Já não fazia mais sentido viver caminhando no campo minado que nossa casa se havia tornado, esperando pacientemente pela próxima vez que algo ativaria uma explosão de mágoas. De mãos dadas, na madrugada de uma terça de maio, nos separamos de forma indolor.
Já faz algum tempo desde este fim. Não sei por onde ela anda, não sei como ela está.
Ouvi dizer que os vizinhos do terceiro andar de vez em quando ainda dão seus espetáculos... mas somente em noites de chuva.

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