sábado, 27 de abril de 2013

muse fortuite VI

O sol tomava o apartamento inteiro, seus raios invadindo por entre as frestas irregulares da persiana antiga. Ma muse ainda dormia profundamente, nem percebeu quando me desvencilhei de seus braços e passei para a cama ao lado. Li um par de zines, um par de capítulos de Rayuela, um par de poemas do Leminski. Olhei para o lado e seus olhos de ser-místico-que-até-hoje-não-consegui-nomear pousavam em mim; por cima de seu sorriso ininteligível, o bigode desgrenhado lhe dava um ar ainda mais alegórico. Pensei no que discutíramos acerca da obra de Lewis Carroll algumas horas antes e sorri de volta:
- De que buraco 'cê saiu, garoto, para que buraco 'tá me levando?
Ele serpenteou até o leito onde eu estava, com a malemolência intrínseca que me desarmou desde aquele dia no qual sentou-se ao meu lado em um ônibus que nos levou a uma cidade paradisíaca do nordeste; bastou não mais do que uma das cinquenta e seis horas que passamos ali para que eu me tornasse viciada em doses sazonais de sua magia. Ma muse carinhou-me da cabeça aos pés, eu de olhos fechados, ele usando todas as partes de seu corpo para me acariciar das formas mais inusitadas. Esbarramos nas coisas que ocupavam o colchão.
- Ah, escritora, sempre com tantos livros na cama...
- Sempre não, bonito... vez ou outra tenho musas. 

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