segunda-feira, 17 de setembro de 2012

demasiado fuego I


Segunda-feira, cinco de dezembro de dois mil e cinco. Era a noite de encerramento do Senhor Festival, na Funarte. Era meu aniversário de catorze anos e a primeira vez que eu ia sozinha a um show. Fui ao encontro de minha irmã e um amigo dela, por quem me havia apaixonado pela primeira vez na vida, no auge dos meus... sete anos de idade! Paixão esta que obviamente nunca saiu do campo do platônico.
Cheguei no início do show de uma banda brasiliense que tocava um delicioso ska que me fez dançar do começo ao fim. Quando tomei uns segundinhos para recuperar o fôlego, olhei mais apuradamente para o palco e... neste momento precisei tomar um tempo para decidir que expressão faria jus ao que senti naquela hora; nada me pareceu adequado. O ponto é que me apaixonei perdidamente pelo vocalista. Este amor tornou todo e qualquer outro homem incompleto caso não fosse provido de barba e um nariz bastante proeminente, não tocasse numa banda de rock e não fosse professor de História, além de bacharel em Filosofia.

Sábado, doze de abril de dois mil e oito. Era o show de uma das mais legendárias bandas da existência, percussores do ska. Estávamos eu e mi morocha dançando de olhos fechados ao som do Criolina e ao abri-los de leve, vi que ao meu lado estava o tal vocalista narigudo. Andei em direção a ele e disse que gostava muito do trabalho de sua banda, que tanto as letras quanto o som mexiam muito comigo, que estava presente em todos os shows. Ele agradeceu, disse que era bom escutar isso. Ainda me perguntou um par de coisas, contou que tocaria depois do show principal. Devo dizer que fui totalmente pega de surpresa pela simpatia e doçura do meu muso.
Foi uma delícia absurda ouvir àqueles deuses jamaicanos. Já estava fora de mim de tanto encanto quando a visão daquele homem tão belo se fez plectro em cima do palco. Cantei com ele todas as canções, e agora já não tinha mais os olhos fechados, os tinha bem dentro dos dele, que me devolvia a mirada e sorria de uma maneira a acender fogos em lugares cuja existência eu desconhecia.

Sexta-feira, 14 de setembro de dois mil e doze. Era a noite de um dia no qual passou constantemente pela minha cabeça que havia tempos desde a última vez que havia saído para dançar um bom rock. Como a falta de opções nos leva a fazer sempre mais do mesmo, fui ao antrinho das sextas à noite da capital. Descobri logo antes de sair que seria o senhor supracitado o responsável por comandar a pick up durante um tempinho da noite. Tendo em vista que a última vez que meus olhos haviam pousado sobre ele fora há mais de três anos, fiquei realmente curiosa quanto às reações fisiológicas deste “encontro”.
Conversava com minha gueixa perto das mesas de sinuca e ele passou. Nossos olhares se cruzaram por não mais que dois segundos, ele andava rápido em direção ao backstage. Senti as pulsações do meu coração em treze lugares diferentes, desde o calcanhar até o ombro. A coisa ficou mais séria quando ele estava detrás de todas as aparelhagens DJísticas e eu lá na frente. Nessa hora minha companheira já havia decidido terminar sua noite e eu estava só na pista.

Fechei os olhos e do nada tinha quinze, dezesseis anos outra vez. Meu desassossego era só uma semente, não sabia a dimensão que tomaria este sentimento com o passar do tempo, da vida. Estava descobrindo o sabor do álcool e a delícia de fazer tudo o que fosse ilícito. O que me causava inquietação era quase sempre efêmero. Havia rotina e estrutura e uniforme. O leito por onde eu correria me levaria a desaguar num mar de estabilidade.

Ao abrir outra vez os olhos, estava no hoje, no agora. Quase vinte e um anos, um desassossego transbordante e nenhuma certeza. Alguns resquícios de outrora, no entanto, ainda se fazem presentes: a mesma propensão a paixões fugazes e o mesmo encanto pelo proibido.

Aquele momento suscitou sentimentos tantos que não saberia transcrever – talvez devesse ter sacado meu caderninho ali mesmo e anotado umas palavras chaves para lembrar depois. Só sei que me invadiu uma sensação de liberdade que não sentia há tempos. Tive a realização de que existem sim pontos finais e que eles não precisam ser dolorosos.

Vê-lo foi deliciosamente surreal e nostálgico. Ele foi o primeiro de uma série de platonicidades que me serviram de material para várias historietas. Foi quem me causou minha obsessão por groupies e minha vontade de tornar-me uma. Foi quem me despertou um olhar mais safado sobre meus professores de História.

Eu espero que ele seja muito feliz.

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