terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

o segredo dos meus pais.

Ouvi um barulho usual, o abrir e fechar da porta da sala. Logo escutei a voz dele que, para meu total espanto, dizia ritmadamente:

"Um, dois, três. Um, dois, três."

Esgueirei-me até a sala, tomando cuidado, fazendo o mínimo de barulho possível. Escondida atrás da parede, consegui vê-los bailar na sala de estar daquela casa não guardava memórias de ninguém além dessa família. Ela esboçava um sorriso e estava bonita; havia escovado os cabelos naquela tarde, vestia vermelho e tocava-o de maneira amorosa. Ele tinha ares de aprendiz, seu olhar era compenetrado e contava com cadência militar cada passo.

Aquela cena me remeteu às viagens que costumávamos fazer juntos, anos atrás. Passávamos horas dentro de um carro rumo ao nordeste brasileiro e suas praias de águas de temperatura amena. Eu dormia no banco de trás e cada vez que um buraco na estrada me trazia de volta à consciência, lá estava ela falando incessantemente enquanto ele vez ou nunca lhe perguntava algo. Assim eles haviam encontrado seu equilíbrio: a verborragia dela encaixava-se com a introspecção dele. Levei alguns anos até me dar conta de que aquilo era amor. Manter-se acordada horas a fio para que ele tivesse sempre companhia ao dirigir era amor. Dividir sua atenção entre as curvas da estrada e suas histórias nem sempre interessantes era amor. Muito mais do que seriam as rosas que nunca lhe vi dar a ela no dia de seu aniversário.

Lhes observei pouco tempo. Deixei-os dançarem para as paredes que lhes observaram em bailes vezes doces, vezes tormentosos desde o Natal de 85. E, mais tarde, na mesa de jantar, fingi acreditar quando ele disse que a saída no fim da tarde havia sido para fazer as compras do mês.

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