Há alguns anos li em Orgias, de Luis Fernando Veríssimo, uma das mais belas descrições de feminino que já passou por meu caminho. "As Outonais" não é nenhum clássico da literatura: fala das mulheres e das estações de forma humorada, como se espera do autor. Por alguma razão, no entanto, me marcou aquela adoração da mulher outonal, que me pareceu tão sóbria e um tanto misteriosa. O absoluto oposto da primaveridade de quem vos escreve.
Anos se passaram; mudei de país, sobrevivi a terremotos, descobri a profundidade do amor na língua espanhola, viajei entre montanhas em um ônibus escolar estadunidense reciclado, aprendi a dança indiana de Bollywood, escalei vulcões ativos, consegui um diploma de International Baccalaureate. E voltei à cidade natal. Por vontade própria, voltei a viver na vila onde nasci. De alguma forma, me senti forçada a suprimir em parte o turbilhão de vida que havia bebido num só gole para não causar estranhamento ao vilarejo que presenciou meu primeiro abrir de olhos. Pensei que essa Brasília não suportaria ver sua filha tão diferente.
Isso causou um dilaceramento de algo dentro de mim. Eu caminhava em direção a um Outono de promessas de mais tranquilidade, e tal jornada foi interrompida de maneira tão... insensível. Outro tanto tempo passou até que sentisse força suficiente para mudar o que não me fazia bem. Decidi mudar de estação de vez: algo entre "deixar de adoçar as coisas e não ter medo de andar de bicicleta entre os carros". Vivenciei certos issos e aquilos que me afastaram da Primavera. Eu era quem tinha inventado de ser.
Só que há uns dias me veio uma percepção distinta.
Já não me preocupo com minha estação. Não me ocupo com intentos de encaixar-me em molde X, em molde Y. Agora tanto faz tomar chá preto com limão ou adoçá-lo com mel: é tudo parte de mim. Os mais diversos tipos de sapatos me calçam os pés. De tentar ser outra, me refiz em ser que abrange. Sou um todo, sou tudo. O mais importante disso é que agora compreendo a beleza de ser primaveril. Perdoo-me por ser estabanada, pela falta de regras. Entendo o papel do colorido de minhas pétalas nos dias nublados. E adoro, cada dias mais (!), tanto um bom frege quanto tons de bege.
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